No campus em que trabalho os pedagogos e gestores fizeram uma pesquisa com pequeno percentual de alunos por turma. O questionário foi ofertado para todas as turmas, todavia, em cada uma delas, apenas um pequeno número de estudantes respondeu.
Este pequeno percentual representa bem a parcela que consegue de fato acompanhar as aulas síncronas de português, matemática, química, física…
Nas respostas algo que já sabíamos conversando (por aplicativo de celular) com alguns alunos: por estarem em casa eles ajudam a olhar os irmãos menores, limpam casa, fazem comida, enfim, no espaço escolar estavam poupados de trabalho doméstico, no lar não estão.
E se o trabalho dentro é muito, não está errado ajudar aos pais, com coisas para lavar sempre que chegamos da rua, com irmãos menores estressados das quatro paredes, pais também com trabalho remoto ou trabalhando fora e deixando os menores sozinhos com os maiores…
O que está errado é ignorar duas coisas: este aprendizado de ajudar e de tudo o que estamos fazendo agora, da importância inclusive, das ciências, já é imenso, eles não precisariam estar preocupados com o tempo de assistir as aulas de física, química, etc.
Seria o momento da escola estar ali em projetos leves, uma aula síncrona por semana com tema qualidade de vida, saúde mental…etc.. Outra semana o tema água… Apenas para mantermos vínculo com alunos, apenas para tratarmos do essencial…
Seria tempo de ENEM e todos os vestibulares cancelados, pois pesquisas já indicam que teremos uma desigualdade imensa neste exame que se aproxima exatamente porque muitos estudantes moram em locais onde sequer pega plano de dados nos celulares.
No caso do IFB, onde trabalho, temos 82% de alunos de baixa renda, o que significa esta realidade descrita de jovens sobrecarregados.
Tenho uma turma (entre 9 de Ensino Médio Integrado ao Técnico ) que possui 49 alunos, destes recebo logo as redações de 4 alunos, os demais entregam lentamente. Por achar tudo muito errado não coloco prazos para entrega, e, por WhatsApp vou lembrando das tarefas.
Com ensino superior não tem jeito, preciso fazer aula síncrona, mas eles não possuem aulas síncronas de química, física, matemática…Todavia, do mesmo modo, não fecho as atividades e deixo entregarem quando podem, pois, do mesmo modo, todos estão sobrecarregados, com excesso de tarefas.
Outra estratégia que adoto para diminuir a sobrecarga emocional dos alunos é instituir um novo zero que se chama nota seis. Todos já sabem que seis é meu novo zero, ao contrário do que pensam, a maioria não quer apenas tirar seis, eles correm para entregar a atividade mesmo assim, porque já sabem que seis significa zero… Contudo, aqueles que estão sobrecarregados não se sentem pressionados porque sabem que pelo menos não reprovarão em uma disciplina.
Também tenho aceitado trabalhos, redações, áudios e/ou vídeos por aplicativo de celular.
Uma colega que trabalha com superior em outro campus chorou outro dia contando sobre uma aluna que perdeu a mãe, porém, precisava entregar todas as avaliações no prazo, como se a vida seguisse normal.
A vida não está normal, se o educador ignorar isso perderemos a chance de crescermos todos nestes tempos de anomalia.
Tempos agravados por governo genocida, que desde o início foi negacionista e como quem nega as ciências não investiu em Educação, Ciências e Pesquisa. Educação e pesquisa que nos salvaria, porque vírus se combate com isso e não armas e ódio.
Quem está fechando os olhos para o que significou esta pandemia em seus aspectos afetivos e emocionais, está também fechando os olhos para mais de duzentas mil famílias em luto, para famílias sobrecarregadas, desgastadas, tristes.
As inovações precisam vir de olhares humanos, empatia também, além de percebermos que uma nota para um aluno sem pressão pode significar um jovem sem síndrome de pânico (conversando com uma aluna do superior em letras soube que muitos ficaram assim e/ou depressivos na pandemia, depois que as aulas remotas começaram!).
As aulas remotas no IFB começaram de modo atropelado, o representante dos docentes no CONSUP usou a palavra “golpe” para descrever como de repente eles aprovaram, em reunião, o ensino remoto. Não tivemos tempo de nos preparar coletivamente e a consequência foi esta: alunos com depressão, síndrome do pânico, tendo que lidar com a sobrecarga física e emocional, porque, sem adaptação correta, muitos docentes de disciplinas mais duras apenas reproduziram – atrás da tela – as suas aulas não remotas… Os prazos e provas foram similares, causando uma fadiga mental nos alunos.
Precisamos aprender com os erros, desde cuidado para que os CONSUP’s da vida funcionem de modo mais democrático com suas comunidades, até o olhar sensível para estes alunos que sofrem, sobrecarregados.
A luta coletiva precisa estar mais atenta ainda aos processos humanizados de cuidado, temos que levar a lição da democracia, da sensibilidade, humanismo, até a importância do conhecimento, não de meros conteúdos, porém, de conhecimento capaz de transformar.
Se perdermos estas lições essenciais, perderemos o bonde da história.
Camila Tenório Cunha
Coordenadora do Sinasefe- Seção Brasília.
Professora de Educação Física do IFB,
Graduada em Licenciatura em Educação Física na UNICAMP
Mestrado em Educação na UNICAMP.