57 anos do retrocesso que teimam em chamar de revolução

Há exatos 57 anos, o Brasil mergulhava em uma das fases mais sombrias de sua história, onde a ilegalidade, a truculência e a morte seriam institucionalizadas, comprometendo para sempre o progresso de um país que começava a arriscar um projeto de redução das igualdades. Em 1° de abril de 1964, os militares, alinhados com o empresariado e outros setores da burguesia, golpearam a democracia brasileira, destituindo o mandato do presidente João Goulart. A partir desse ato, o país mergulharia por 21 anos em uma era de total ilegalidade e autoritarismo, cujos frutos estão sendo colhidos até os dias atuais.

A Comissão Nacional da Verdade (CNV), instaurada pelo governo Dilma, apurou que houve pelo menos 434 mortos e desaparecidos durante o período que durou o regime militar. Além disso, quase 2 mil pessoas foram identificadas como vítimas de tortura. 

Gilney Amorim Viana, hoje aos 75 anos, foi uma das pessoas que sofreu com a dura repressão instaurada pelo regime. Desde 1961, Gilney era militante do Partidão e acabou sendo preso logo no início da ditadura militar. A primeira prisão aconteceu no dia 30 de abril de 1964, quando morava em Belo Horizonte e era trabalhador bancário e estudante secundarista.  “Havia um movimento político muito forte na escola que eu estudava, por isso o DOPS era infiltrado lá, o que facilitou a identificação de quem era mais ativo”, explica. 

Gilney foi preso pela primeira vez dentro de seu local de trabalho. Nessa primeira prisão, a tortura foi mais psicológica, segundo ele. Ameaças de morte e agressões físicas mais “leves”. Mas isso não seria uma marca registrada do regime ou da experiência de vida de Gilney Amorim. O pior ainda estava por vir. 

No início dos anos 1970, dois anos após o Ato Institucional n° 5 (AI-5) ter sido decretado, Gilney, agora vivia no eixo Rio-São Paulo em razão da situação de clandestinidade, pois era procurado pelas forças armadas. Quando foi preso pelo Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna, conhecido como DOI-CODI, Gilney tinha 24 anos. “Ali foi a barbaridade, fiquei sob tortura durante 36 dias, pau de arara, choque, espancamento de todo tipo. Era um lugar que tinha tortura física e psicológica dia e noite, não tinha feriado nem descanso”, relata. 

Quando perguntado sobre a situação política atual, Gilney afirma que, mais grave do que a permissão para que o golpe de 1964 fosse comemorado, foi a publicação, do General Braga Neto, na ordem do dia de ontem em comemoração a esse regime, que tirou as liberdades individuais e coletivas, instituindo o terrorismo como prática institucional.“ É a celebração do terror, da tortura, do genocídio, do extermínio”, conclui. 

Ao longo do mês de abril, o Sinasefe Brasília fará uma série de publicações com o intuito de relembrar essa parte da história recente do nosso país. Golpe não se comemora, se repudia. 

Imagem: Reprodução Diário do Nordeste.

O caso Daniel Silveira e a naturalização do absurdo

A distopia na qual o Brasil está inserido não para de surpreender. Na última sexta-feira (19), nos deparamos com a notícia de que a defesa do deputado Daniel Silveira, preso por atentar contra a democracia após divulgar vídeo defendendo o Ato Institucional n° 5 (AI-5), está cogitando apelar para a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) para defender a liberdade de expressão de ir contra a liberdade de expressão. A informação foi transmitida pelo também deputado do PSL, Carlo Jordy. 

Apesar do incômodo que causa na leitura, esse pleonasmo é inevitável ao tentar explicar o caso Daniel Silveira, que não é o primeiro ou único parlamentar a defender o fim da democracia, sempre conquistada a duras penas ao longo da história no nosso país e continuamente golpeada pelos interesses de banqueiros, empresários, militares, setores conservadores e de uma elite que não aceita o progresso de grupos sociais considerados “inferiores” ou “serviçais”.

O presidente Jair Bolsonaro (Sem Partido) já cometeu o mesmo crime inúmeras vezes e não foi impedido de tornar-se chefe do Executivo. Por isso, a prisão do deputado Daniel Silveira parece, para muitos, um ato estranho do Supremo Tribunal Federal (STF).  Mas na verdade, o estranho é termos nos acostumado a ver torturadores sendo homenageados, generais sendo tratados como heróis e a subserviência do povo brasileiro, que às vezes parece precisar de uma figura para chamar de “capitão”. 

O absurdo não é a prisão de Daniel Silveira, mas a nossa surpresa em ver um criminoso atrás das grades. 

Entenda o caso

Preso pelo inquérito de atos antidemocráticos, que investiga políticos e empresários desde abril de 2020, o ex-policial militar e deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) está em reclusão desde terça-feira passada (16/02). A prisão do parlamentar foi uma decisão unânime do STF após a publicação de um vídeo em que, além de ameaçar e insultar os membros da Corte, Daniel defende o AI-5, ato da ditadura militar brasileira que, dentre outras coisas, permitiu a perseguição, prisão e tortura de milhares de pessoas que se opunham ao sistema político autotoritário dá época. Na prática, o ato representou uma carta branca às forças armadas para tirar a liberdade e a vida de quem não apoiava o governo militar. Além disso, o AI-5 também foi responsável pelo fim das liberdades individuais e coletivas, inclusive o direito de votar e ser votado em eleições sindicais e pelo fechamento de jornais e revistas. 

Daniel Silveira teve sua prisão mantida em sessão na Câmara dos Deputados na última sexta-feira (19), quando 364 parlamentares se posicionaram a favor da decisão do STF.  Agora, o caso será avaliado pela Comissão de Ética da Casa.